23 de fevereiro de 2014

[foto Jindřich Štreit]



a I não era velha, mas para nós, acabadas de sair da faculdade, mais do que as rugas, os seus 20 anos de casamento faziam dela qualquer coisa como um dinossauro. na verdade, mais do que a idade reconhecíamos-lhe a cátedra conseguida à custa da experiência. ao mesmo tempo era divertida, de gargalhada fácil, e várias vezes se juntavam as gaiatas à sua volta, como sempre que aparecia alguém novo e lhe pedíamos que explicasse o sucesso de um casamento feliz. nunca lhe cosam as meias. era isto que nos juntava, porque na altura a frase nos soava ridícula e nos fazia rir, feitas tontas.
nunca vão para a cama zangados. lembrei-me da I esta semana porque parece que o papa veio dizer o mesmo. não vão para a cama zangados. desde os tempos da I que esta é para mim uma verdade absoluta. deitar num abraço apertado, dormir com um sorriso, acordar com a certeza de querer estar ali, independentemente da cama, da cidade, do país. nunca cozi um parte de meias na vida e não tenciono fazê-lo. e às regras da I acrescento uma minha, baseada no meu fatalismo, porque por muito que não esperemos haverá uma vez que será a última que nos vemos. demore um dia, 20 anos, cinco décadas. no meio disto quero ter a certeza que me despedi devidamente, que as minhas ultimas palavras foram doces. que sabes que gosto de ti. às regras da I acrescento: nunca saiam de casa sem um beijo.